Decisão

Na sacada o vento estava mais intenso. O ar era de um frio cortante. O tipo de frio que parecia separar vida e morte. Mesmo assim ela estava com sua fina camisola azul. Um presente do Natal passado. O que ela mais havia gostado. Não por causa da camisola em si. Mas sim por causa daquele azul, que a hipnotizava na hora de dormir e na hora de acordar. O mais incrível daquela sacada era a vista. Nada comparado à vista de algum hotel luxuoso do exterior. Era uma vista simples, com construções decrépitas misturadas a novos lares recém erguidos e embelezados, com plantinhas nas janelas. Também não havia vista para nenhum parque. Dali era quase impossível avistar algum tipo de verde. Mesmo assim era a que ela tinha e não podia reclamar. Do alto ela podia brincar de Deus. Fingia decidir o destino de cada pessoa que passasse lá embaixo. Sabia dizer o passado e o futuro das pequenas e insignificantes pessoas- formigas que por puro acaso tinham aquela calçada de frente ao prédio no meio de seu caminho. Era nessa brincadeira que ela se sentia potente perante a vida. Brincar com os outros era esquecer-se de ter que brincar consigo mesma. Apoiou-se mais um pouco sobre o parapeito. Aquele vento estava fenomenal. Poderia passar a eternidade sentindo aquilo. Foi o que decidiu fazer. Num impulso se debruçou por completo. A cabeça pendeu para frente e puxou o resto do corpo. Quem mandou ter a cabeça tão grande. Agora era tarde para qualquer arrependimento. Tinha pulado. Pulado para a vida que ela sonhava ter.